ANA MARIA MAIA GONÇALVES, MEDIADORA DE CONFLITOS E FUNDADORA DO INSTITUTO DE CERTIFICAÇÃO E FORMAÇÃO DE MEDIADORES LUSÓFONOS, UTILIZA A MEDIAÇÃO PARA PROMOVER O DESENVOLVIMENTO PESSOAL, ORGANIZACIONAL E SOCIAL. A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS NOS MAIS DIVERSOS PAÍSES, A NOSSA ENTREVISTADA DEDICA-SE A TRANSFORMAR CONFLITOS EM SOLUÇÕES MAIS HUMANAS E SUSTENTÁVEIS, INCENTIVANDO TAMBÉM A PRESENÇA FEMININA NESSE CAMPO.
VIVEU EM VÁRIOS PAÍSES E AMBIENTES CULTURAIS. FORAM DESTAS EXPERIÊNCIAS DIVERSAS QUE SURGIU O SEU INTERESSE PELA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS?
Comecei a minha carreira na Microsoft França, tornei-me rapidamente a membro mais jovem e a única mulher no comité executivo, liderando uma equipa de 150 pessoas. Aprendi a importância do humano, da colaboração e da comunicação como elementos vitais para transformar equipas e organizações. Aos 34 anos, decidi reinventar-me. Voltei para Portugal, obtive uma licenciatura em Direito, e decidi viajar pelo mundo de barco. Vivi em todos os continentes, exceto na Antártica, e, entretanto, continuei a aprofundar o meu conhecimento em resolução de conflitos e coaching. Meu interesse formal pela mediação de conflitos surgiu quando percebi que, em muitos casos, a solução litigiosa deixava cicatrizes profundas nas relações, muitas vezes com consequências evitáveis. Fui atraída pela ideia de que poderia ajudar as pessoas a encontrar soluções mais humanas, mais eficientes e, principalmente, mais sustentáveis, tanto em termos emocionais quanto financeiros. Em 2011, fundei uma associação sem fins lucrativos, o ICFML,
Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos, com a missão de promover a resolução de conflitos nos países de língua portuguesa, assim como a Neuroawareness, uma consultoria de desenvolvimento organizacional e coaching. Tenho orgulho em dizer que minha trajetória na mediação é uma mistura de aprendizagem constante, compromisso com a construção de pontes e uma paixão inabalável por ajudar as pessoas a navegarem através de suas diferenças.
Estou certa de que, ao capacitar os indivíduos com as ferramentas certas e de alta qualidade, podemos não só transformar equipas e organizações, mas também construir um mundo mais justo, inclusivo e harmonioso para as gerações futuras. Para mim, a educação não se trata apenas de transmitir conhecimento; trata-se de fomentar competências que constroem caráter, empatia e a capacidade de resolver conflitos de forma construtiva. A minha colaboração com a Universidade Católica do Porto, Escola de Direito, onde propus e desenvolvi programas de negociação e mediação tanto para a licenciatura como para o mestrado, reflete essa convicção.
EXPLIQUE EM QUE CONSISTE A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E COMO FUNCIONA.
A mediação é um processo em que as partes envolvidas num conflito de família, comercial, ambiental, ou outro são assistidas por alguém externo a esse conflito, o mediador, que as ajuda de várias formas na criação de soluções e tomada de decisões sobre o conflito. As partes podem estar acompanhadas dos seus respetivos advogados se assim o desejarem e a mediação de conflitos tem um regime legal. Quando as partes decidem negociar com a ajuda de um mediador, o acordo que sai dessa negociação assistida tem a mesma força legal que uma decisão de um juiz de primeira instância. Para isso basta que o mediador que escolheram esteja inscrito na lista do ministério da justiça. Os advogados desempenham um papel essencial na mediação, um processo mais informal e flexível que o tribunal, onde o cliente tem maior poder de decisão. No entanto, muitos advogados em Portugal ainda se sentem desconfortáveis em levar os seus clientes para a mediação, muitas vezes devido ao desconhecimento das competências necessárias. Isso limita a exploração de soluções mais abrangentes, que vão além das negociações puramente jurídicas.
Assim, muitos poucos cidadãos sabem da possibilidade da mediação para resolver os seus conflitos e muito poucos sabem onde encontrar um mediador competente. Por esta razão, no ICFML, definimos uma lista de mediadores que foram certificados pelo instituto com os mesmos requisitos de qualidade que mediadores internacionais, e que podem facilmente ser localizados. É importante utilizar mediadores certificados para que o cidadão tenha o gage de qualidade do serviço de mediação.
SABEMOS QUE O EMPREENDEDORISMO FEMININO ESTÁ EM ASCENSÃO. O QUE DIRIA ÀS MULHERES QUE ESTÃO A PENSAR EM INICIAR UMA CARREIRA NA ÁREA DA MEDIAÇÃO?
As mulheres trazem uma nova energia e visão para o campo da mediação de conflitos. Estudos sobre mediação de paz internacional mostram que as mulheres são fundamentais na mediação de acordos de paz, frequentemente trazendo uma perspetiva mais ampla sobre questões como direitos humanos, justiça social e impacto comunitário. As mediadoras são vistas como mais empáticas, colaborativas e orientadas para as relações, características que tradicionalmente associamos ao estilo de comunicação feminino. Têm uma capacidade única para perceber as entrelinhas das conversas, detetar nuances emocionais e compreender necessidades não verbalizadas, o que as torna extremamente eficazes na mediação de conflitos. Para ser uma profissional competente, estará sempre em contacto com alguns princípios fundamentais da mediação: empatia, curiosidade e coragem, que trarão uma dimensão e um propósito únicos à sua vida.
Nas eras da IA, o que o mundo da mediação (e não só) precisa é daquilo que vem de dentro de si, do seu mais profundo ser. Não confunda gentileza com fraqueza, e tenha confiança em si mesma!
NA SUA OPINIÃO, COMO SE PODE PROMOVER A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO ALGO MAIS PRÓXIMO DO CIDADÃO COMUM?
Como sugeri antes, através da educação desde a mais tenra idade, nas escolas, liceus e universidades. Também, é importante que figuras importantes da sociedade sejam “role model” no modo construtivo como elas próprias resolvem os seus conflitos. O tempo que passamos a resolver conflitos, por falta de competências para saber lidar com os mesmos, tem um impacto muito negativo no nosso bem- estar individual, e no bem-estar dos outros. Reduzir este impacto negativo deve ser o nosso compromisso individual permanente, e é o propósito das formações no ICFML. A formação e certificação que levo a cabo no ICFML é única porque – e todos os testemunhos dos nossos participantes o dizem- é uma experiência transformadora, para o mundo profissional, mas sobretudo para a vida pessoal e o modo como olhamos o outro, o mundo e os nossos desafios.
Nestas formações não só ensinamos mediação, mas transformamos a forma como sente e lida com o conflito em todas as suas formas.
Mais informações: https://icfml.org/formacao-2/formacao-portugal/bootcamp