Hospitalidade: Qualidade, Respeito, Responsabilidade e Espiritualidade

O Instituto S. João de Deus (ISJD) é uma IPSS fundada em 1977. Tem âmbito nacional e prossegue fins de saúde,
de assistência, de reabilitação e de reinserção social, nomeadamente, nas seguintes valências: psiquiatria e saúde
mental, deficiência mental e reabilitação psicossocial; alcoologia etoxicodependência; medicina física e de reabilitação geriatria, psicogeriatria/gerontopsiquiatria e demências; prestação de cuidados no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e de Cuidados Paliativos.

Os Centros Assistenciais estão situados no continente e ilhas, nomeadamente Casa de Saúde do Telhal (Sintra), Casa de Saúde S. João de Deus (Funchal), Casa de Saúde S. Rafael (Angra do Heroísmo), Casa de Saúde S. João de Deus (Barcelos), Casa de Saúde S. Miguel (Ponta Delgada), Hospital S. João de Deus (Montemor-o-Novo), Casa de Saúde S. José (Areias de Vilar) e Clínica S. João de Ávila (Lisboa). José Paulo Simões Pereira, (à direita na foto) presidente do ISJD, e Vítor Cotovio, (à esquerda na foto) psiquiatra e diretor clínico do ISJD e da Casa de Saúde do Telhal, conversaram com a Revista Qualidade & Inovação sobre o papel da Instituição, destacando a missão, os valores e as áreas de intervenção.

 

Como nasce o Instituto e quem foi S. João de Deus?
S. João de Deus foi um português que nasceu em 1495, em Montemor-o-Novo. Saiu de Portugal com oito anos e, já em Espanha, passou por várias etapas no seu inquietante percurso de vida (pastor, militar, pedreiro e livreiro). Era um homem de muita fé. Em Granada, ao ouvir um sermão, a 20 de janeiro de 1539, tomou uma atitude radical contra a hipocrisia que se vivia na sociedade granadina de então. Pelas atitudes que tomou foi dado como louco e internado no Hospital Real, onde sofreu na pele os tratamentos dados na época a este tipo de pacientes. Ao passar pela crueldade com que eram tratadas as pessoas com doença mental e com outras experiências de sofrimento humano, disse que quando saísse dali iria arranjar uma casa para cuidar, “como Deus quer”, e assim foi. Quando teve alta, sentiu muita vergonha pela fase por que passou, mas foi-se reorganizando e começou a ajudar as pessoas da rua, acolhendo-as. Criou um espaço pequeno, que foi crescendo, e ali ia recolhendo e cuidando de crianças, mães solteiras, prostitutas, alcoólicos, doentes mentais, peregrinos, etc… alguns perdidos, outros abandonados. Tinha uma forma muito original de pedir esmola para sustentar as pessoas que recolhia e cuidava: “Irmãos, fazei bem a vós mesmos dando aos pobres”. A sua casa foi crescendo e o português intitulado de “O louco de Granada” começou a ser acarinhado e estimado pelo povo; os pobres que o procuravam e a quem ele se dedicava, e os ricos, a quem pedia esmola.
Aos 55 anos morreu com uma broncopneumonia, associada ao desgaste do serviço aos outros. E a partir daí, as pessoas que o acompanhavam e o ajudavam a ajudar, iniciaram este grupo que hoje é chamado de Irmãos de São João de Deus.

A Ordem Hospitaleira de S. João de Deus está hoje presente em 51 países, nos cinco continentes, com 396 obras apostólicas.

A prestar serviços de saúde e sociais há mais de 500 anos, a Ordem foi construindo e respondendo às necessidades de cada momento e de cada sociedade. Hoje conta com mais de 60 mil colaboradores, mais de 23 mil voluntários e um exército de benfeitores em todo o mundo, para além dos 981 Irmãos religiosos que dedicam a sua vida a esta missão.

Os Irmãos espanhóis chegaram a Montemor-o-Novo, terra natal de S. João de Deus, em 1606, onde construíram o primeiro convento/hospital em Portugal, que é hoje a biblioteca municipal e igreja matriz.
A Ordem foi-se expandindo em Portugal, mas foi extinta em 1834, em Portugal e Espanha. Foi restaurada em 1893, com a fundação da atual Casa de Saúde do Telhal, um dos oito Centros Assistenciais do Instituto S. João de Deus, que conta atualmente com 1270 colaboradores.

A nossa maior valência é a psiquiatria em que dos oito centros, seis são psiquiátricos, com resposta à doença mental grave e com enfoque na reabilitação psicossocial.
Na componente de cuidados continuados físicos temos Unidades em Montemor-o-Novo, Melgaço e Gelfa (extensão de Areias de Vilar) e na Clínica S. João de Ávila em Lisboa e ainda no Funchal. Em setembro, será inaugurada a Unidade de Carnaxide, ligada à Clínica S. João de Ávila, também no âmbito dos cuidados continuados e paliativos. Temos Unidades de cuidados paliativos na Clínica de S. João de Ávila e Montemor-o-Novo e também serviços de reabilitação física.

Para além das Unidades de psiquiatria existentes nas Ilhas: Terceira (Angra do Heroísmo), Ponta Delgada (São Miguel) e Madeira (Funchal) e ainda no Telhal (Sintra), temos também respostas específicas para desintoxicação e reabilitação nas áreas de alcoologia e outras dependências.

Outra área de intervenção é o apoio psicossocial e espiritual que conta com uma equipa multidisciplinar que dá apoio a outras equipas, internamente e em diferentes Unidades hospitalares da cidade. A espiritualidade é um valor importante na saúde mental.

No total e em números, isso representa 1618 camas de psiquiatria e 291 camas de cuidados continuados e paliativos.

Quando falamos em saúde mental existem diversas variantes a serem analisadas. Quais são as valências que trabalham dentro da saúde mental?
Na saúde mental existem várias valências. Nós damos resposta à doença mental grave, atualmente com cada vez maior complexidade.

Os doentes que vêm até nós, são referenciados pelos serviços locais de psiquiatria ao abrigo da circular Nº 10/2014/DPS/ACSS de 31/03/2014 que estabelece as regras de referenciação para quando um doente necessita de uma resposta continuada em função do seu nível de complexidade, por razões de quadros psicóticos resistentes à terapêutica, situações de duplo diagnóstico (na deficiência e nas perturbações da personalidade), alterações comportamentais graves e/ou de dependência.

Apesar de estarmos a receber os doentes com maior complexidade, não queremos fazer só isso. Respondemos, por exemplo, a jovens em risco, que vivem com as suas famílias e frequentam o centro de dia, para os capacitar de acordo com o seu potencial e com as suas necessidades. Quando se fala de inovação, a Instituição também tem essa preocupação. Somos certificados pelo Sistema de Certificação de Qualidade Europeu (EQUASS – European Quality in Social Services) que dá credibilidade e idoneidade à Instituição. Somos auditados e por isso temos de ter práticas e recursos que respondam àquilo que a qualidade exige e que pretendemos ser a nossa missão, respondendo com inovação à melhoria contínua.
E por falar em inovação têm respostas domiciliárias especializadas tendo em conta as necessidades sociais que vão surgindo…
Nas respostas inovadoras e cada vez mais a sermos credibilizados por isso, os vários Centros Assistenciais foram avançando naquilo que é intervir na comunidade. Queremos corresponder às necessidades de cuidados do mundo atual, com respostas comunitárias e uma dessas chama-se “Cuidando”, uma marca que existe em vários Centros com o apoio das respetivas Autarquias. Este projeto nasceu para dar resposta a doentes com patologia mental que ainda estão nas suas casas. As equipas multidisciplinares deslocam-se, fazendo intervenções específicas e integradas no contexto do apoio domiciliário, promovendo a estabilidade clínica e procurando a inclusão socioprofissional.

No Âmbito da iniciativa “Portugal Inovação Social” para além do “Cuidando”, candidatámo-nos também com a resposta “Home 360”, já implementada, e que consiste num apoio às pessoas com demência e respetivos cuidadores. É mais uma resposta ao domicílio em parceria com as Autarquias. Dando continuidade a este projeto, criámos a resposta “Razões de Sobra”, suportada por voluntários com supervisão técnica, visando o alívio dos cuidadores de pessoas com demência.

Todo o empenho, respeito e hospitalidade são em prol de fazer o bem. Assim, quais são os objetivos principais do ISJD?
A palavra chave do Sistema de Qualidade é a melhoria contínua. O Sistema de Qualidade pretende diminuir custos, aumentar a eficácia dos serviços, eliminar erros e melhorar a qualidade de vida e a satisfação das pessoas.

Assumimos como objetivos estratégicos: promover a autonomia e a qualidade de vida dos utentes; garantir a sustentabilidade; criar e melhorar as condições físicas dos equipamentos; atualizar permanentemente as competências dos colaboradores; otimizar o capital humano; melhorar a comunicação; consolidar parcerias; melhorar o desempenho da Instituição; promover a inovação e reforçar a identidade institucional. Para alcançarmos os objetivos de maior autonomia e melhoria da qualidade de vida dos utentes, as nossas intervenções são suportadas num PII – Plano Individual de Intervenção. Existem objetivos de intervenção planeados com o utente que depois serão alcançados. A finalidade é que os utentes tenham ganhos em saúde.

No nosso plano estratégico pretendemos avançar na área das demências, quer com os serviços comunitários já referidos, quer com unidades de internamento para os casos que dele necessitem.

Quais são os maiores desafios que atualmente têm entre mãos?
Temos dois desafios grandes: a sustentabilidade e os recursos humanos.
A sustentabilidade não só para responder a todas as novas solicitações, para inovar e recriar, mas também para reabilitar e adaptar as estruturas que são de grande volume melhorando as condições de resposta às novas tipologias que vão surgindo. Exemplo dessas tipologias são os jovens com problemas comportamentais e que exigem estruturas compatíveis com isso.

Os recursos humanos são outro desafio, isto porque para termos recursos humanos qualificados e diversificar como é exigido, deparamo-nos com dificuldades em recrutar e reter pessoas. Isto acaba por sobrecarregar as equipas que temos. É fundamental o reconhecimento da idoneidade dos serviços que prestamos com os respetivos financiamentos pelas tutelas.

Apesar destes desafios, existe uma relação de proximidade e pertença dentro das equipas e dos respetivos colaboradores, potenciando de forma recíproca a hospitalidade.