COM MAIS DE 20 ANOS DE EXPERIÊNCIA NA ÁREA, VANDA LOUREIRO FALA SOBRE O SEU PERCURSO, A IMPORTÂNCIA DA SAÚDE MENTAL EM PORTUGAL E O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS NA PREVENÇÃO E PROMOÇÃO DO BEM-ESTAR. NUMA CONVERSA COM A REVISTA QUALIDADE & INOVAÇÃO, REFLETE AINDA SOBRE OS DESAFIOS DO ESTIGMA, A NECESSIDADE DE LITERACIA EM SAÚDE MENTAL E O IMPACTO DA TECNOLOGIA NO FUTURO DA PROFISSÃO.
PODE PARTILHAR CONNOSCO O SEU PERCURSO PROFISSIONAL E O QUE A LEVOU A ESCOLHER A ÁREA DA PSICOLOGIA COM FOCO NO APOIO SOCIAL E COMUNITÁRIO?
A Psicologia sempre me fascinou por permitir aliar conhecimento científico a valores como a empatia e a promoção do bem-estar. Licenciei-me em 2003 e após estagiar numa IPSS e com mestrado em Psicologia das Emoções, descobri a minha verdadeira vocação na Associação Pigmaleão, com uma equipa multidisciplinar invisto continuamente na minha atualização, acreditando que a formação constante é indispensável para prestar um serviço de qualidade.
Lema da Associação: contribuir para a autonomia de pessoas em situação de vulnerabilidade e para uma sociedade mais justa.
COMO CARACTERIZA ATUALMENTE A SAÚDE MENTAL EM PORTUGAL E QUE DESAFIOS PERSISTEM?
Vivemos um ponto de viragem após a pandemia: hoje temos consciência e abertura para falar de saúde mental. Contudo, persistem desigualdades no acesso, sobretudo entre zonas rurais e urbanas, assim como problemas associados à pobreza, ao isolamento, à migração e à violência.
O estigma continua presente, ainda se confunde saúde mental com ausência de doença. Mas trata-se de um estado de bem-estar que permite lidar com as exigências da vida. Em Portugal, privilegiamos o tratamento em vez da prevenção.
É fundamental investir em literacia em saúde mental desde cedo, nomeadamente nas escolas, e assegurar cuidados acessíveis e equitativos.
QUE INICIATIVAS DESENVOLVEM PARA GARANTIR CONTINUIDADE NO CUIDADO?
Promovemos sobretudo a prevenção. Trabalhamos em escolas para reduzir riscose reforçar competências emocionais, palestras e workshops dirigidos a alunos, pais e professores. Abordamos temas como bullying, autismo, violência no namoro, bem-estar no trabalho, burnout e stress.
O objetivo é a psicoeducação, onde a saúde mental se integra no quotidiano e não apenas em momentos de crise.
COMO VÊ A RELAÇÃO ENTRE SAÚDE MENTAL, FATORES COMO ALIMENTAÇÃO, EXERCÍCIO FÍSICO E REDES COMUNITÁRIAS?
Estes fatores estão profundamente interligados. A investigação mostra que não podemos dissociar a saúde mental de hábitos de vida saudáveis nem da qualidade das nossas relações sociais. O enfraquecimento das redes comunitárias, sobretudo nas cidades, tem impacto direto no bem-estar das pessoas.
QUE IMPACTO TEM A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA, EM PARTICULAR A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, NA ÁREA DA SAÚDE MENTAL?
Ao longo da carreira já se comparou o psicólogo a padres ou taxistas, por se dar pouca importância à saúde mental. Hoje surge um novo desafio: a inteligência artificial. Por um lado, abre novas possibilidades, como uma ferramenta de apoio a vários níveis e reduz barreiras à informação.
Por outro, levanta desafios éticos e humanos, já que nenhum recurso tecnológico pode substituir a relação terapêutica e a escuta empática, centrais nesta profissão.
A verdadeira mudança só acontecerá quando investirmos na prevenção, no cuidado contínuo e na promoção da empatia e do equilíbrio dentro das organizações e da sociedade.

