Com uma carreira de duas décadas reconhecida com inúmeras distinções, tanto a nível nacional como internacional, Paulo de Moura Marques é um dos sócios fundadores da sociedade de Advogados AAMM- Abecasis, Moura Marques e Associados.
Este escritório foi fundado em finais de 2012 e actua em áreas tão diferentes da advocacia como: o Direito Administrativo, Direito Constitucional, Contencioso Administrativo e Arbitragem, Contratação Pública, Parcerias Público-Privadas, Direito da Saúde, Serviços Públicos, Empreitadas, Expropriação, Domínio Público, Ambiente, Ordenamento do Território, Urbanismo, Turismo, Energia, Água, Telecomunicações e Função Pública.
Nesta entrevista, o advogado abordou o início da sociedade de Advogados, a sua carreira e alguns temas que estão a marcar a atualidade.
Como, quando e em que áreas actua a AAMM?
Paulo Marques – Nós começámos em final de 2012 e estamos agora a completar os primeiros sete anos de vida do escritório. Começámos com um foco muito grande no Direito Público. Aqui estamos a falar das mais variadas vertentes, como é o caso do contencioso, arbitragem ou de acompanhamento de indústrias e entidades públicas.
Acredito que devemos conhecer bem as áreas em que os nossos clientes estão inseridos. Temos que estar ao lado do cliente, perceber as suas necessidades e como os setores, onde eles se encontram, se regulam e funcionam. Hoje para se fazer direito não basta saber só de direito. Nós temos que saber do mundo, também.
Esta é uma forma de acção que se afasta de outros escritórios, vistos como mais tradicionais, mas nós também nos consideramos um escritório pouco tradicional.
Quais foram os principais obstáculos que encontraram na altura em que criaram este escritório de advogados e como os enfrentaram?
Paulo Marques – O primeiro obstáculo que é necessário enfrentar reside na quantidade de escritórios de qualidade que existem. Há uma saudável concorrência que nos leva a, todos os dias, lutar todos os dias para manter os nossos clientes e conquistar novos. Essa luta faz-se pela tentativa de prestarmos o melhor serviço aos clientes que temos.
A retenção de talento é outro desafio que enfrentamos. Os jovens advogados têm uma noção da profissão muito diferente daquela que tínhamos há 20 anos. Os novos modelos de raciocínio sobre a profissão obriga-nos a adaptar para retermos a proficiência. Para além disso, a forma de aprendizagem dentro da profissão tem mudado. O estágio e o início de carreira estão diferentes. Os advogados mais novos estão sujeitos a exigências maiores do que aquelas que num mesmo momento de carreira, há 20 ou 30 anos atrás, teríamos.
Um desafio comum à profissão é o atraso na justiça. Em vários casos é gritante, chegando a implicar que já não se possa falar em justiça, em casos que se alongam por 10 ou 15 anos. Isto acaba por desencorajar quem a ela pretende aceder.
São muitas horas de trabalho, claro. O advogado é aquele que fica na terceira fila, junto à cortina, quando está a decorrer a assinatura de um ato formal mas muitas vezes teve uma palavra decisiva, em momentos cruciais, para se conseguir chegar aquele momento.
– Paulo de Moura Marques
No início disse que o vosso sucesso estava relacionado com o facto de conhecerem a fundo cada uma das áreas de serviço em que actuam. Diria que esta é a principal razão para serem reconhecidos?
Paulo Marques – O que eu posso dizer é que o conhecimento que temos e pretendemos manter de certas indústrias é o ingrediente para alguém que quer ter algum tipo de sucesso. O facto de termos ou não sucesso e a sua medida, é algo que não somos nós mesmos que podemos avaliar. A tentativa de ser bem-sucedido é um trabalho duro. Envolve muito estudo, devoção e esforço. Os escritórios devem fazer a escolha de qual é o modelo que querem empregar, ou seja, qual a medida de esforço individual que vão exigir aos colegas mais novos e mais velhos, porque se assiste a uma tendência geral de admissão de carreiras paralelas ou de admissão de níveis diferentes de esforço individual dentro das organizações, o que é visto como um produto do pensamento millenial, em que a profissão e outros interesses complementam em igual medida o indivíduo, mas a perversidade dessa crença instilada reside no facto de ela levar a que se perca a noção individual de dever e esforço, e com eles a estabilidade que a aprendizagem sólida implica e a visão de largo prazo do advogado e da sociedade em que se insere.
Estamos, coletivamente, a perder força produtiva no direito, quando, paradoxalmente, mais advogados e advogadas querem, todos os anos, ingressar na profissão.
Esta sempre foi uma profissão para gente que quer abraçar várias horas de trabalho e muito estudo. Às vezes pode ser ingrato pois os resultados podem não ser imediatos ou corresponder ao trabalho despendido. Porém não me parece que haja outro caminho. A ideia de que várias experiências sucessivas, em diferentes ambientes, são positivas para os advogados são ideais afastados do que os decisores em sociedade de advogados realmente pensam. Dificilmente algum decisor vai avaliar positivamente um currículo de um advogado ou advogada com 5 anos de profissão que passou por tantos escritórios quantos os anos de profissão que tem.
Esteve envolvido na assessoria jurídica de operações de elevada complexidade de domínio público, como foi com o actual Parque das Nações. Já se passaram 20 anos desde a Expo’98 e há pouquíssimo tempo foi anunciado que nos terrenos da antiga Lisnave vai nascer um projecto muito semelhante ao da Expo. Quais são as dificuldades que um advogado enfrenta neste tipo de grandes obras?
Paulo Marques – Não conheço em detalhe o projeto que vai arrancar. Não sei qual será o grau de semelhança com a Expo mas estamos a falar de uma zona ribeirinha que vai ser reaproveitada. O trabalho de advogados é essencial pois dificilmente algum gestor público vai tomar uma decisão sem saber dos riscos, qual é o quadro legal e em que medida pode ser implementado. Os advogados estão envolvidos em todas as partes do processo. Este é um trabalho que requer muito tempo a escrever e a pensar.
Muito trabalho de bastidores?
Paulo Marques – Sim. São muitas horas de trabalho, claro. O advogado é aquele que fica na terceira fila, junto à cortina, quando está a decorrer a assinatura de um ato formal mas muitas vezes teve uma palavra decisiva, em momentos cruciais, para se conseguir chegar aquele momento. Ser advogado é também estar nas sombras mas isso é o ambiente da profissão. Quando falamos em trabalhar na sombra, falamos de trabalhar de um modo discreto para alcançar um resultado. Usando uma linguagem futebolística, quando nós, os advogados, metemos golos, não vamos festejar para ajunto à bancada e nem sequer podemos festejar em campo.
Este “trabalho nas sombras” é algo que lhe agrada?
Paulo Marques – Este é um “trabalho nas sombras” pois não é não é reconhecido publicamente. Não podemos falar por causa de razões deontológicas mas o nosso trabalho acaba por ser reconhecido porque há outras fontes que o acabam por desvendar.
Esse “trabalho nas sombras” interessa-me pois são-nos entregues missões importantes e as fazemos com gosto. É a nossa profissão. Não o fazemos pelo reconhecimento público ou pela busca de glória. Aliás, não podemos sequer publicitar os resultados dos processos que nos estão confiados. Existe essa exigência de recato, que se justifica.
Sei que o doutor foi responsável pela preparação e acompanhamento de vários sectores da legislação. Olhando para trás, mudaria alguma coisa no trabalho que realizou?
Paulo Marques – Na minha carreira tenho poucas coisas que posso dizer que me arrependi ou não gostaria de ter feito. Dei sempre tudo aquilo que acreditei que deveria dar e o contínuo a fazê-lo.
Sobre o trabalho feito ao nível da legislação, e se fosse atualmente, teria feito alguma coisa de diferente?
Paulo Marques – A minha participação no trabalho legislativo teve sempre que ver com a definição do que poderia ser aperfeiçoado nos setores legislativos ou criação de legislação necessárias, cabendo sempre aos órgãos com competência legislativa saber o que adoptar das propostas ou não. Continuo, como pessoa interessada, a participar e dar contributo sempre que é solicitado. Lamento não poder fazer mais. Há setores em que as leis precisam de ser mudadas ou implementadas.
Já agora, quais seriam os setores que precisavam de leis mudadas ou implementadas?
Paulo Marques – Temos o setor digital, que está em constante alteração. Parece que estamos constantemente a correr atrás de algo que a realidade já mudou. No setor dos transportes há coisas que estamos a ver e que estão claramente muito mal. Nós temos que regular. Os transportes são um fio condutor que Portugal tem com o exterior. Mas também há os setores mais novos, como o aeroespacial.
A maior parte dos diplomas que estão a ser discutidos é porque algo aconteceu na sociedade e isto nos leva a pensar que tem de ser regulado ou a regulação existente deve ser alterada. Evoluímos muito, nós portugueses, quando começámos a apostar no planeamento como uma ferramenta mas a verdade é que nos falta um planeamento mais sério. Nós temos que apreender que o planeamento nos dá conforto, é um guia. Dá-nos uma forma de pensar. O sucesso não aparece apenas como um simples fruto do acaso. Ele é fruto do trabalho e do planeamento. Isto acontece tanto no direito como em outros setores da vida em sociedade.
Falando sobre a área do digital e o artigo 13, temos vozes a favor e contra esta medida aprovada pelo Parlamento Europeu. Queria pergunta-lhe se concorda com esta medida e se esta é de planeamento ou reacção a um mercado cada vez mais produtivo?
Paulo Marques – O artigo 13.º, tal como o artigo 11.º da proposta legislativa comunitária, estão a levantar um acesso debate. Não sou um especialista na matéria mas a minha convicção é que todos aqueles que produzem trabalho intelectual devem ser remunerados. Para mim a premissa essencial é que o trabalho intelectual também é trabalho, também é criação. A pessoa despendeu energia, conhecimentos e , portanto, deve ser ser remunerada pelo que fez. Este parece-me um princípio basilar e a ideia da União Europeia parece-me ser para que haja um reconhecimento.
Depois, tem que haver alguma regulação e quando entramos no fenómeno da regulação falamos sempre na gradação da regulação. Ou seja, o que vou regular e que de forma vou regular. Às vezes esquecemos que a vida em comunidade traz autonomia e liberdade mas com ela vem a responsabilidade e por isso é preciso haver regras. Aqui falamos da necessidade de uma filtragem sobre o que pode ou não ser disponibilizado.
Gostava de colocar uma questão sobre os drones, aparelhos cada vez mais comuns e que por vezes causam alguns “problemas”. Nós não planeamos bem esta questão. O que é necessário fazer para darmos um uso mais correcto a estes aparelhos?
Paulo Marques – Os drones são uma realidade ainda recente. Nós temos que regular de uma forma inteligente. Há certos e determinados locais onde devem ser restringidos no que toca a altitude em que podem voar. Noutros locais, a proibição deve ser total. Parece-me difícil conceber que ainda estamos num plano em que, apesar da legislação existente, das preocupações de segurança e da consciência coletiva sobre o tema, se continua a discutir se deve haver regulamentação e de que tipo. Julgo que a regulamentação veio para ficar, como a atividade dos drones veio para ficar. Será mais fácil tratarmos a questão mantendo estas duas premissas como premissas base de qualquer raciocínio. A regulação deve existir mas não devemos ter uma visão primária em relação aos drones. Aliás, como com quaisquer máquinas, elas têm a sua função. Questão diferente é o operador dessa máquina e o uso que faz dela. Eu já tinha dito publicamente que é necessário um licenciamento do operador e mantenho esta opinião. Não é suficiente deixar a questão da aprendizagem sobre as regras de utilização destes aparelhos apenas para os autodidactas ou numa base da auto-regulamentação.
Voltando a falar sobre a relação do advogado com o constituinte. Uma relação de proximidade é a principal causa para um processo ganho?
Paulo Marques – Não concordo. Ela é um pressuposto da relação com o cliente, uma relação de confiança. A competência do defensor é o principal requisito para a eficácia processual.
Quais são as características que um bom advogado deve ter?
Paulo Marques – Um bom advogado ou uma boa advogada têm que ter características relativamente simples. O complexo é congregá-las num mesmo indivíduo.
Primeiro devem ter uma grande capacidade técnica. Não há grandes advogados se estes não souberem muito de direito. Depois, têm que ter experiência. O outro atributo, eu já disse isto, é muito trabalho e dedicação. Quando falo de trabalho estou a referir-me ao estudo e à devoção apresentada. Também tem que ter capacidades comerciais ou fica a um mero intelectual do direito e esta função pensante corresponde a função de jurista. O advogado é também um jurista, mas não apenas um jurista. Um advogado tem que ter este composto de atributos.
E uma grande capacidade de negociação?
Paulo Marques – Quando ela é necessária, também. Os advogados devem utilizar a dialéctica, tópica e a retórica. Todas as artes antigas devem ser utilizadas.
O que o apaixonou no direito?
Paulo Marques – Não era capaz de viver um dia-a-dia igual. A vida no direito todos os dias dá-nos dias diferentes. Obriga-nos a uma maleabilidade no pensar e no agir. Esta maleabilidade obriga-nos a ter a capacidade de nos superar, tanto como indivíduos como instituições. O que o direito também tem de apaixonante é que, a propósito de cada pequena questão, devemos pensar de uma forma orientada para a gestão de uma infinitude de situações e assim percebemos de que forma a mesma se enquadra no que estamos a tratar ou se outros valores nos obrigam a uma por uma regra ou solução diferente.
Qual foi o processo que puxou mais por si enquanto advogado?
Paulo Marques – Tive inúmeros processos que me prenderam muito e não apenas na vertente do tempo dispendido. Tive projetos pequenos e projetos grandes que me deram muito gosto de participar e que considero muito interessantes, mas não os vou individualizar pois também não o posso fazer. Mas continuo a ter assuntos nos quais gosto muito de trabalhar.
Quem é o Paulo de Moura Marques quando não está a trabalhar? O que o apaixona na vida?
Paulo Marques – É difícil despir as vestes de advogado quando chego a casa. Às vezes, em momentos de lazer, somos chamados de volta à profissão porque o telefone tocou. Mas fora da atividade profissional, nos momentos de lazer, sou uma pessoa normal. Tenho os meus hábitos, tenho os mais hobbies, tenho as minhas formas de ver o mundo. Tenho uma paixão pela aviação e tudo o que se relaciona com ela; sou um adepto fervoroso da seleção nacional e gosto muito de viajar. Não sou apenas advogado, também sou marido, sou familiar, sou amigo. Há uma outra pessoa para além da advocacia.
Olhando para a advocacia que se fazia há 10 ou 15 anos atrás, quais são as principais mudanças?
Paulo Marques – Existem mudanças grandes. Desde logo nós, os advogados, mas não só, temos de basear a nossa base de conhecimentos na atual legislação. Essa legislação só tem aumentado. A criação legislativa é bem maior do que a extinção ou extinção legislativa. Isto acontece por causa de duas coisas. A primeira é o aprofundamento da vida em sociedade e isso leva à criação de mais regras. O princípio liberal não passa pela legislação. Segundo, porque os operadores económicos nos vários sectores exigem essa legislação. Claramente houve grandes mudanças.
É claramente por causa disso que existem cada vez mais advogados especializados em certas matérias. Falamos do fenómeno da especialização. Acredito que não vamos ter advogados generalistas por muito mais tempo.
Houve alterações na regulação da carreira de advogado, realidade que antigamente não era regulada; também houve regulação do estágio como modo de acesso à profissão; o relacionamento do estado com os cidadãos ou a protecção dos próprios cidadãos no seu direito à justiça também mudou. Por fim, a gradual substituição do papel do advogado em várias atividades, seja por acesso de outros profissionais a atividades geralmente guardadas para os advogados, seja pela necessidade do advogado passar a integrar em projetos multidisciplinares, quando tradicionalmente era um operador solitário.
Houve um ambiente que mudou muito e estou certo que nos próximos 20 anos vai mudar muito mais.
A profissão de advogado mudou muito nos últimos 20 anos. O que ainda falta fazer na advocacia em Portugal?
Paulo Marques – Sendo um optimista, diria que ainda há muito para fazer. É o mesmo que perguntar o que sabemos de ciência. Ainda temos muito que apreender, que fazer. Falta, por exemplo, regular a relação com os colegas mais novos; a relação dos próprios cidadãos com o estado. Ainda estamos longe de um objetivo de equilíbrio desejável. Esta é uma realidade que quem trabalhe com direito público sente. Porque o direito público (relações particulares-Estado) não está sedimentada como certas áreas das relações entre privados. Percebemos que há muita discussão que ainda teremos de ter para que se caminhe no bem sentido. O papel do advogado ai é muito importante. Também falta um acesso mais facilitado à justiça ou darmos melhores condições aos nossos magistrados.