Um programa que apoia as pessoas

Pessoas 2030 é um dos programas do novo periodo programático, Portugal 2030. O Programa
atuará em domínios ligados à demografia, qualificações e inclusão. Em entrevista à Revista
Qualidade & Inovação, Ana Coelho, Presidente do Comissão Diretiva do PESSOAS 2030, explica
cada uma das áreas de atuação, os principais desafios e os objetos sociais do Programa
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Atualmente, estão numa fase de transição em que os programas operacionais do Portugal 2020, o POCH, o POISE e o POAPMC serão encerrados e darão lugar a um novo programa. Como irá decorrer o encerramento destes programas e quais os principais desafios que se colocam nesse processo?

A Autoridade de Gestão (AG) do PESSOAS 2030 (PT 2030), sucede às AG do POCH e do POISE e POAPMC (PT 2020), pelo que a fase em que nos encontramos irá estender-se até ao primeiro trimestre de 2025 com a entrega à Comissão Europeia de todos os documentos de encerramento, o que faz coincidir durante um período bastante longo, responsabilidades e competências de encerramento do PT 2020, cuja data limite para a execução das candidaturas termina a 31 de dezembro de 2023, com o arranque do PESSOAS 2030, cujos primeiros avisos de abertura de candidaturas já ocorreram em final de março deste ano.

Durante o PT 2020, o POISE e o POAPMC atuaram nas áreas do emprego, formação profissional, inclusão social e privação material, ao passo que o POCH geriu os apoios europeus na área das qualificações e competências, dimensões de política pública que agora se concentram, amplificam e diversificam no PESSOAS 2030.

Ainda que o escopo deste novo Programa comungue em muito com os seus antecessores, a coexistência de quatro Programas de gestão de fundos comunitários sob a alçada da AG do PESSOAS 2030, coloca-nos desafios, pressões e oportunidades de natureza diversa. Desde logo, de natureza organizacional, uma vez que implica a fusão de dois organismos – a AG do POCH e a AG do POISE e POAPMC. De natureza procedimental, uma vez que três destes programas são financiados pelo Fundo Social Europeu (FSE) e um pelo Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas (FEAC), três são financiados ao abrigo do PT 2020 e um do PT 2030, pelo que, tanto pela diferenciação do fundo europeu como dos períodos de programação, o quadro legal e normativo incorpora combinações distintas e variadas de atuação e de tomada de decisão. E de natureza gestionária, considerando que os programas são diferentes e têm de ser geridos na preservação dessa diferença – o POCH tem uma dotação de 3,8 MM€ e 7.770 candidaturas aprovadas, o POISE uma dotação de 2,6 MM€ e 4.900 candidaturas aprovadas, o POAPMC uma dotação de 208 M€ e 300 candidaturas aprovadas, e o ainda jovem PESSOAS 2030 uma dotação de 6,7 MM€ -, para além da heterogeneidade de medidas, entidades beneficiárias e modalidades de financiamento.

Acreditamos que a pluralidade e a diversidade desta fusão serão também âncoras da nossa missão, esta transversal a qualquer um dos Programas: garantir a sua plena execução financeira e o cumprimento das metas contratualizadas com a Comissão Europeia.

Quais serão as principais áreas de atuação e explique-nos o propósito de cada uma delas.
As áreas de atuação e o seu propósito fundam-se na agenda estratégica europeia para o FSE, cuja origem e motivações, decorridos 66 anos da sua criação, e apesar do quanto o mundo mudou e se complexificou, mantêm uma extraordinária atualidade. O FSE é o mais antigo dos fundos europeus e foi criado logo em 1957 com a criação da Comunidade Económica Europeia (CEE), tendo feito parte, desde o princípio, de uma visão que existia para a construção de uma Europa unida: aumentar a população ativa e o acesso ao trabalho, melhorar as oportunidades de trabalho e promover a mobilidade geográfica e a mobilidade no mercado de trabalho dos trabalhadores, assumindo-se o trabalho enquanto um meio para o pleno exercício da cidadania e para uma vida de qualidade e de bem-estar.

Hoje, perante os desafios da transição digital e da transição climática, num contexto de progressivo envelhecimento demográfico, os fundamentos que levaram à criação do FSE estão todos em presença. O nosso papel, o papel do PESSOAS 2030, é precisamente apoiar os instrumentos de política pública configurados para retirar o País de uma posição de fragilidade estrutural em três dimensões: o défice de qualificação dos portugueses, o défice de competitividade da economia e o défice de coesão social e territorial. Existe um vínculo forte e recíproco entre estes três défices estruturais, que faz perpetuar um círculo vicioso de baixas qualificações e competências – baixa produtividade – fraca competitividade da economia – baixos salários, desemprego e fenómenos de pobreza e exclusão social – baixa natalidade – diminuição da população ativa e envelhecimento demográfico – estrangulamento do funcionamento do mercado de trabalho.

É este círculo vicioso que é preciso interromper com urgência, reclamando especial atenção das políticas públicas e na alocação dos recursos disponíveis, e o gatilho para inverter esta sucessão negativa passa, inexoravelmente, por resolver o défice de qualificações e de competências, promover a conciliação entre a vida profissional e pessoal, incentivar a natalidade, a imigração, o envelhecimento ativo, a inclusão social de TODOS, combater a inatividade, estimular o emprego de qualidade e criar condições para atrair e reter talento.

O investimento de 6,7 MM€ distribui-se por 55 medidas – nas áreas do emprego, qualificação e inclusão social – e é dirigido às regiões menos desenvolvidas do continente – Norte, Centro e Alentejo. As medidas a apoiar concorrem para as metas nacionais até 2030 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS): aumentar para 80% a taxa de emprego da população entre os 20 e os 64 anos; reduzir a taxa de jovens NEET para valores entre os 7% e 8%; assegurar que pelo menos 60% dos adultos participam anualmente em ações de educação e formação; e reduzir as pessoas em situação de pobreza ou exclusão social em, pelo menos, 765 mil, de entre as quais 161 mil crianças.
Na área do Emprego, a dotação é de 900 M€ para investir no acesso ao emprego e no aumento da força de trabalho disponível, assim como na promoção da participação equilibrada em termos de género no mercado de trabalho. Os estágios profissionais, os apoios à contratação, a capacitação institucional de atores relevantes na definição das políticas ativas de emprego e o apoio a políticas de conciliação da vida profissional e pessoal, são alguns dos instrumentos que enquadram esta dimensão.

Na área das Qualificações, a dotação ascende a 4,1 MM€ – 3 MM€ para a formação inicial de jovens e 1,1 MM€ para a (re)qualificação de adultos. No caso dos jovens, é dada continuidade às vias profissionalizantes de dupla certificação, destacando-se os cursos profissionais e os cursos de aprendizagem, e ao nível do ensino superior, as bolsas de ação social para estudantes em situação de maior desfavorecimento e as bolsas de doutoramento, em contexto académico e não académico. Quanto aos adultos, destacam-se as oportunidades flexíveis de melhoria de competências e de (re)qualificação profissional, com enfoque nas competências digitais e verdes, apostando-se nos cursos de educação e formação, formações modulares certificadas, cursos de especialização tecnológica e Centros Qualifica.

Na área da Inclusão, a dotação é de 1,5 MM€ e visa a inclusão ativa, a igualdade de oportunidades, incluindo no acesso a serviços de qualidade, a não discriminação por género, condição social ou outra, o combate à privação material, e a participação ativa de todos os cidadãos na vida em sociedade. Esta dimensão dirige-se, assim, aos grupos mais vulneráveis ou marginalizados – pessoas com deficiência ou incapacidade (PCDI), migrantes, população cigana, idosos, crianças e desempregados. As ações do mercado social de emprego, a qualificação e acesso ao mercado de trabalho por PCDI, a aprendizagem da língua portuguesa para cidadãos estrangeiros, o apoio a organizações da sociedade civil de imigrantes, refugiados e pessoas ciganas, a qualificação do sistema de intervenção precoce na infância e as ações para o envelhecimento ativo e saudável, configuram apenas algumas das medidas que compõem este eixo de intervenção.

Todas as áreas de intervenção estarão concentradas num novo programa, o PESSOAS 2030. Quais são os principais desafios e oportunidades com a chegada deste programa?
As áreas de intervenção – emprego, qualificações, inclusão social -, estão interligadas e são interdependentes, pelo que a sua reunião num programa vem trazer um novo racional e uma nova coerência, não só do ponto de vista de opção programática, como de vantagem nos processos de decisão e gestão sobre política social. A esta lógica multidimensional subjazeu a emergência de aportar a problemática da demografia, à qual, foi atribuída pela primeira vez, agora no PT 2030, uma visão dedicada e de total relevância estratégica, cuja abordagem ganha com a integração cruzada de políticas multissetoriais concentradas num instrumento uno.

Portugal é o quinto país mais envelhecido do mundo, a idade média é de 46,8 anos, o índice de fecundidade é muito baixo e a longevidade é alta.

Todos os eixos de intervenção do PESSOAS 2030 gravitam em torno do combate ao desequilíbrio demográfico e no aumento da população ativa, concorrendo, de forma mais direta ou indireta, de forma mais mediata ou imediata, para promover a natalidade, as políticas migratórias e de integração de imigrantes, o envelhecimento ativo e a captação e retenção de talento jovem e qualificado.

Este desígnio está fundeado nas agendas estratégicas, europeias e nacionais, e que enformam o quadro programático do PESSOAS 2030, destacando-se, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a Agenda para o Trabalho Digno, o Acordo de Concertação Social sobre Formação Profissional e Qualificação, a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação, a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, o Plano de Ação da Garantia para a Infância e a Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência.

O grande desafio do Programa é precisamente este, conseguir fazer o pleno uso da oportunidade trazida por esta visão programática multidimensional para atingir os resultados do Programa.

O Ano Europeu das Competências tem como objetivo apoiar e incentivar a aprendizagem ao longo da vida. De que forma, o novo programa PESSOAS 2030, irá ajudar e contribuir para alcançar o objetivo final?
A ideia de um emprego para a vida há muito que está ultrapassada. A aceleração das transformações de contexto dos últimos anos – saúde, volatilidade geopolítica, ordem económica internacional, digitalização, automação, inteligência artificial, cibersegurança -, aliadas a pressões sociais, demográficas e ambientais, têm vindo a aprofundar distorções no funcionamento do mercado de trabalho, com as empresas a procurar competências para os empregos de amanhã e a força de trabalho disponível a não conseguir responder a estas necessidades.

O Relatório de 2023 do World Economic Forum, “The Future of Jobs”, aponta para que até 2027, em cinco anos, ao nível global, se possa assistir à destruição de 83 milhões de empregos e à criação de 69 milhões de novos empregos – the jobs of tomorrow, que a divisão do trabalho entre homens e máquinas possa ser de 58% para 42%, e que 44% das competências dos trabalhadores se tornem obsoletas.

Uma era de transformações rápidas e acentuadas reivindica políticas de incentivação da aprendizagem ao longo da vida, que a Comissão Europeia concretiza na definição do objetivo para 2030 de, pelo menos 60% dos adultos, participarem anualmente em ações de educação e formação.
De acordo com o Education and Training Monitor de 2022, a situação de partida de Portugal, em 2016, para este indicador, era de 38%, quando em países como a Suécia, a Holanda, a Áustria, este indicador já ultrapassava os 55%, ou, no sentido oposto, em países como a Grécia, a Bulgária, a Roménia, estava ainda aquém dos 16%.

O desafio é grande e só com políticas robustas e sustentáveis de aprendizagem ao longo da vida, podem os trabalhadores acompanhar o passo da chamada Quarta Revolução Industrial, e assim, contribuir para o progresso das empresas e para a melhoria da competitividade do nosso País.

Também sabemos que a predisposição para continuar a aprender ao longo da vida é quatro vezes maior nos segmentos da população com níveis educacionais superiores e, por isso, a formação inicial é também ela basal para uma estratégia de aprendizagem ao longo da vida bem sucedida. O projeto de Portugal para a qualificação da população ativa, tanto na dimensão “upskilling”, como na dimensão “reskilling”, materializa-se de forma evidente na aposta feita de alocar cerca de 60% dos recursos do PESSOAS 2030 às Qualificações, seja em modalidades de formação inicial ou contínua, dando assim continuidade e sustentabilidade a um caminho que foi iniciado nos períodos de programação anteriores e traduzindo um pensamento que a todos nos inspira “A aprendizagem é como o horizonte, não tem limites”.

Quais os principais objetivos sociais nas áreas em que o Programa vai atuar?
No PT 2020, Portugal reduziu em 721 mil as pessoas em risco de pobreza ou exclusão social, ultrapassando largamente a meta definida na Estratégia Europa 2020 (-200 mil). Porém, chegados a 2022, 2 milhões de pessoas ainda se encontravam em risco, tendo-se assumido que o PESSOAS 2030 afetaria 33% da sua dotação à promoção da inclusão social e 4% ao combate à privação material.

As opções no âmbito da inclusão social tiveram como premissa que o combate à pobreza e à exclusão social, enquanto desafio estrutural que é, pressupõe um trabalho persistente e prolongado, com abordagens multidimensionais e mobilizadoras de diferentes atores, medidas e metodologias de natureza diversificada – intervenção precoce, preventiva e reparadora.

Neste contexto, os desafios sintetizam-se na formação de base qualificante, reconhecida a relação entre as baixas qualificações, as situações de risco de pobreza ou exclusão e a sua reprodução intergeracional; na dinamização de um mercado de trabalho mais inclusivo, através de intervenções dirigidas a públicos desfavorecidos e com baixas qualificações, como os jovens, por estarem mais expostos ao desemprego, à precariedade e a baixos salários, bem como da reintegração socioprofissional de desempregados e inativos; na promoção da participação ativa, da igualdade de oportunidades e não discriminação; na melhoria e igualdade no acesso a serviços de qualidade de educação e de outras respostas sociais essenciais, como chave para a inclusão ativa; na erradicação da pobreza através de medidas de mitigação de fenómenos de privação alimentar e material das pessoas mais carenciadas.

Não posso terminar sem referir que o PESSOAS 2030 atua na área da inclusão social, com base num racional de articulação e complementaridade com a lógica de intervenção do sistema de proteção social nacional e das políticas públicas nacionais que enquadram a luta contra a pobreza e a exclusão social.